Por baixo di a porta hai luz

Ao princípio pareceu-me ser o vento a bater nas canas, ou no alto dos sobreiros, ainda que imagino que deve ser raro, o vento, bem entendido. Mas agora que escuto melhor, parece-me ouvir mais lá ao fundo, as enxadas a bater na terra, para lá do cante, bem ao longe. E o bater dos corações, será? Conseguem ouvir? Esse já me tinha despertado a atenção. Oiço também vozes de homens, seguramente, juntas com as enxadas a bater na terra, e com os corações que não param. E agora que oiço ainda com mais atenção, consigo distinguir também algumas vozes de mulheres, e é engraçado que ao mesmo tempo parece-me ouvir também crianças a brincar. São curiosas estas paisagens do Alentejo, na nossa cabeça, são um sítio ermo e solitário, mas a vida que nelas há, é surpreendente, acreditem em mim. O cante voltou, agora junto com um ritmo que deduzo ser de trabalho. Imagino os corpos suados do calor, agora que também “oiço” este calor intenso e constante. Não deixa de ser curioso que quanto mais tarde fica, e o calor abranda, mais sons despertam a minha atenção. Entretanto já é quase noite, e eu nem dei pelo tempo a passar, enquanto contemplava esta paisagem maravilhosa. Bom, é certo que este cante não me sai da cabeça. Já nem sei muito bem se o estou realmente a ouvir, ou se é a minha imaginação. Gostava que estivessem aqui, e se vocês pudessem ver, tal como eu, iriam certamente perceber o que vos digo. É quase noite cerrada nesta paisagem do Alentejo, mas se olharmos bem, e com atenção, conseguimos ver que Por baixo di a porta hai luz, e é sinal de haver lá gente. É hora de seguir viagem, e sim, os rouxinóis também cantam à noite.”

Lino Guerreiro

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